O Pensador

Um professor de filosofia anuncia para a classe que aplicará um teste-surpresa entre segunda e sexta-feira. No caminho de casa, um de seus alunos, Deboaldo, começa a refletir:

"Bom, pelo menos eu sei que o teste não será na sexta. Se o teste não for aplicado até quinta toda a classe se preparará para a sexta, e o teste não será uma surpresa. Se sexta está eliminado dos planos do professor (pois ele deve estar ciente desse problema), então quinta passa a ser o último dia em que o teste pode ser aplicado. Mas, se o teste não for aplicado até quarta, toda a classe se preparará para a quinta (pois todos já perceberam que sexta está fora dos planos do professor). Se quinta e sexta estão eliminados, então quarta passa a ser o último dia em que o teste pode ser aplicado…"

Foi aí que Deboaldo percebeu que o teste (para ser verdadeiramente uma surpresa) não poderia ser aplicado em nenhum dia da semana, pois na segunda-feira todos os alunos já estariam preparados para o teste − e o teste não seria uma surpresa.

Deboaldo também percebeu que, para ser realmente uma surpresa, o professor não poderia anunciar que aplicaria um teste, afinal de contas, uma surpresa é uma coisa que não se espera, e os alunos já estão esperando um teste entre segunda e sexta.

Deboaldo continuou a refletir:

"Se o professor não aplicar o teste na segunda, estará diminuindo a porcentagem de surpresa do teste. E quanto mais adiar o teste, mais diminuirá esta porcentagem. Logo, o teste (para não perder sua potencialidade de realmente surpreender) será aplicado na segunda-feira. Claro, o teste só pode ser aplicado na segunda. Mas não, seria muito simples. O professor já deve ter percebido que os alunos iriam chegar a esta conclusão. Pensando bem, talvez o professor tenha se expressado mal. Talvez tenha usado a palavra surpresa no sentido de aleatório, e o teste acontecerá num dia escolhido aleatoriamente entre segunda e sexta. Mas não pode ser, um professor de filosofia não cometeria tal engano. Surpresa é supresa e aleatório é aleatório, ele sabe disso. Surpresa mesmo seria se ele aplicasse um teste sobre outra matéria, Química ou Biologia por exemplo. Ah, isto sim seria uma surpresa."

Por eliminação lógica, Deboaldo concluiu que o teste seria sobre Química ou Biologia.

O teste aconteceu na quarta-feira, quando ninguém esperava, e foi sobre filosofia medieval.

E Deboaldo ficou surpreso.

13 comentários:

Carlos Eduardo disse...

Não sei...
esperar um teste de química ou biologia?

Anônimo disse...

O senhor voltou, e voltou em grande forma!

Permafrost disse...

HAHAHAHAHA Muito bom. Mas faltou definir a diferença entre "teste surpresa" e "teste inesperado". Imagine, por exemplo, q meus amigos me prometem q em algum de meus aniversários futuros, eles vão me dar um festa surpresa (ou seja, a festa surpresa tá delimitada dentro do período em comum de nossa vidas). Vários anos se passam sem a tal festa surpresa; mas 17 anos depois, "qdo menos espero", eles cumprem a promessa. ¿Que exatamente é 'surpresa' e que exatamente é 'inesperado'?

Malaquias disse...

Permafrost,
Podemos dizer que "surpresa" é "a admiração diante dum acontecimento que julgamos improvável", e "inesperado" é "a qualificação que damos a um acontecimento quando não estamos conscientes de que ele possa ocorrer".

Por exemplo: se um dia eu estiver trabalhando ao computador e de repente faltar luz no meu bairro, vou classificar o acontecimento como "inesperado" (pois eu não estava consciente de que a luz poderia faltar no momento que eu estava ao computador), mas não como uma "surpresa" (pois sei que a luz costuma faltar no meu bairro, e este fato já não é mais improvável).

No seu exemplo, há duas possibilidades. Primeira: vc acabou esquecendo por completo o aviso de seus amigos. A festa foi uma surpresa, pois pelo seu esquecimento ela se transformou num acontecimento improvável. E também foi inesperada, pois vc não estava consciente de que ela poderia acontecer. Segunda: vc se lembrou do aviso de seus amigos, mas já não acreditava que poderia acontecer naquele ano. Foi uma surpresa, pois vc considerava o acontecimento como improvável. Mas, não foi um acontecimento inesperado: vc estava consciente de que poderia acontecer, embora não acreditasse.

No meu conto, o teste foi uma surpresa para Deboaldo, pois ele não acreditava que o teste seria sobre filosofia (embora tenha chegado a esta conclusão através de uma raciocínio lógico, mas completamente inapropriado). Mas, não foi inesperado: ele sabia que o teste aconteceria entre segunda e sexta. Pela importância que Deboaldo deu ao assunto, acho que ele estava diariamente consciente de que o teste poderia acontecer a qualquer momento, pois estava ansioso de mostrar para a classe que "entendeu" perfeitamente o que o professor quis dizer com "teste-surpresa". Para os outros alunos, o teste não foi uma surpresa, pois sabiam que era um acontecimento muito provável. Mas, foi inesperado: não estavam tão ansiosos como Deboaldo, e acabaram meio que esquecendo o aviso do professor.

O raciocínio lógico (mas inapropriado) de Deobaldo vem de um livro que comecei a ler, "Gramática Filosófica" de Wittgenstein. Um livro muito difícil de ler (pela tecnicidade com que trata o assunto), mas com interessantes insights. Para Wittgenstein, uma língua não faz sentido nenhum se for tomada fora do "jogo cultural" que ela expressa. Entender uma língua como proposições puramente lógicas é um erro (e foi o que Deboaldo tentou fazer). Uma língua apenas expressa intencionalidade, e essa intencionalidade só faz sentido se entendermos as regras "gramati-culturais" daqueles que usam essa língua. Deboaldo, como um típico aluno de filosofia, entusiasmado com as maravilhas da lógica, deixou de lado um fato corriqueiro em nossas vidas: percebemos as regras que regem a intencionalidade antes de percebermos a língua que a expressa.

Malaquias disse...

Caro Anônimo,
O meu problema é tempo. Guardo no meu computador muitas idéias para textos futuros, mas não consigo ter tempo para sentar e escrever.

Caro Carlos,
É, talvez um teste-surpresa seja um teste sobre Agronomia redigido em chinês, ou um teste de resistência física, ou talvez o professor queira testar quantas vezes os alunos conseguem acender um isqueiro sem falhar.

Carlos Eduardo disse...

Vindo de um professo de filosofia, é bem provável!
O Deboaldo reduziu muito as possiblidades. Dá zero pra ele.

Anônimo disse...

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G

arbo disse...

mto bom o post! apenas melhorou com o comentário para o perma...

"percebemos as regras que regem a intencionalidade antes de percebermos a língua que a expressa."

é possível escrever mais sobre esse MOMENTO? parece chave

e que o senhor malaquias viva ainda muito TEMPO...

Arthur Golgo Lucas disse...

Toda vez que encontro um texto deste tipo eu me lembro do gato meio-vivo e meio-morto de Shrödinger. Os físicos dizem que a lógica deste experimento "não está errada, só é inaplicável". Meu comentário altamente técnico: "afff..." :)

A teoria dos jogos debruçou-se amplamente sobre a questão da surpresa. De fato, se a prova não for aplicada até quinta, na sexta a surpresa será substituída pela certeza. De quinta-feira para trás, entretanto, o raciocínio simplesmente não é válido.

A não-validade da lógica recursiva de Deboaldo não pode ser deduzida até que, justamente por recursividade, cheguemos à conclusão que Deboaldo chegou: "que o teste (para ser verdadeiramente uma surpresa) não poderia ser aplicado em nenhum dia da semana".

Trata-se de um caso muito interessante de redução ao absurdo!

A demonstração é simples: ora, se logicamente o teste, para ser uma surpresa, não pode ser aplicado, então sua aplicação é surpreendente - e aí valida-se a promessa do professor e Deboaldo dá com os burros n'água, que é outra maneira de dizer que há mais provas entre segunda e sexta-feira que sonham nossos estudantes de filosofia. ;)

Gostei.

Voltarei.

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