O Sentido da Existência


Qualquer sujeito que já refletiu, com a mais desapaixonada boa-fé, sobre sua própria existência e a existência do universo já sentiu um súbito desconforto como se estivesse à beira de um penhasco olhando assombrado para o infinito abismo da lógica. Bertrand Russel definiu esta estupefação como um delírio de dúvidas diante da inconsistência da realidade. Uma realidade que se nos apresenta multifacetada, complexa, misteriosa e muitas vezes obstinadamente incoerente e ilusória.
Apesar de diariamente estarmos envolvidos em nossos projetos de vida e afirmarmos haver sentido e razão em todos os nossos atos, no fundo temos consciência da estonteante absurdidade da existência. Como um ser consciente de sua finitude é capaz de criar tantos sentidos para seus atos diante da irredutível insensatez do próprio ato de existir? Há algum desígnio para a existência ou somos apenas um hiato entre dois absolutos nadas? Como devemos conduzir nossas vidas se não sabemos porque e para que existimos? Toda história humana parece se resumir a um extraordinário esforço em imprimir sentido ao manifesto caos lógico que nos cerca.
Mesmo que aceitemos a existência de um criador, sua criação parece não ser governada pelas regras da mais límpida sensatez. Tudo parece estar envolto em infinita complexidade, contradição e mistério. Todo aquele que vê sentido na criação, é porque ainda não se fez um número suficiente de perguntas, ou ainda não se deu conta da magnitude da complexidade dessas questões.
Dizer que pensar sobre a existência é criar um “cemitério de hipóteses” é no mínimo justo. No entanto, não podemos esquecer que é sobre este cemitério que estão alicerçados todos os nossos atos, todas as nossas leis, toda a nossa sociedade e toda a ciência.
Existem basicamente quatro hipóteses diante da existência:

A HIPÓTESE NIILISTA
A hipótese niilista nos diz que a existência não tem nenhum sentido: não há nenhum projeto para o universo nem para o ser humano. O universo existe porque não há outra maneira, não há como não existir: o Nada não faz sentido, nada pode ter vindo do Nada, assim alguma coisa necessariamente TEM DE EXISTIR. Para o niilismo, o Nada é apenas uma concepção equivocada que só pode ter surgido do intrincado labirinto de contradições da razão humana. Isso parece ser correto, pois é impossível para o pensamento humano conceber ou pensar sobre o Nada. Sempre que imaginamos o Nada, damo-lhe características espaciais (um vazio sem fim) ou características temporais (existe antes ou depois de alguma coisa). Kant nos chamava atenção para o fato de que é impossível para a razão humana conceber qualquer coisa fora do espaço e do tempo: o espaço-tempo faz parte de nossa estrutura mental a priori.
Se adotarmos o niilismo na sua forma mais radical, então podemos dizer que nada faz sentido, nada é absoluto, toda conduta humana é possível, tudo é permitido e nada tem uma razão de ser. Para o niilismo a necessidade humana de encontrar sentido para tudo vem de nossa relação empírica com o mundo: percebemos o mundo através de relações de causa e efeito. Para cada fenômeno observado, observamos uma causa que lhe deu origem, e assim por diante. O sentido que imaginamos haver no mundo observável advém da percepção empírica de que para cada fenômeno deve haver uma causa. Mas, nada nos pode garantir que a relação entre causa e efeito seja realmente uma “característica” do universo. Os niilistas acreditam que essa relação é apenas um “método” adquirido pela nossa razão para entender o mundo: jamais poderemos saber como as coisas realmente são; apenas podemos saber como as coisas se relacionam uma com as outras. A essência de uma coisa é o seu “fenômeno”: seu comportamento em relação a outros fenômenos.
A hipótese niilista, embora sendo a mais sincera de todas (não é possível afirmar categoricamente nenhum sentido para a existência, e jamais saberemos como as coisas realmente são), não é bem vista mesmo nos dias de hoje. Muitos vêem no niilismo uma forma destrutiva de pensar: existência sem sentido é existência sem valores; e existência sem valores é a negação da sociedade humana. O lado “estéril” do niilismo está em não apontar nenhuma razão para a existência humana, e consequentemente, nenhuma razão para a existência de leis, de vida em sociedade, ou conduta moral. O niilismo simplesmente nos mostra que o ato de existir é uma gigantesca insensatez: um beco sem saída para a razão humana.

A HIPÓTESE EXISTENCIALISTA
A hipótese existencialista é um “niilismo moderado”. Não há um projeto para o universo e nem para o ser humano. A existência não tem sentido. Mas, a consciência humana é inevitavelmente livre, e essa inevitável liberdade cria inevitavelmente um sentido para o mundo.
A hipótese existencialista parte de uma longa meditação sobre a natureza da consciência humana (e quem quiser conhecê-la em detalhes basta ler “O Ser e o Nada” de Sartre). A muito grosso modo, a consciência emana de uma coisa (nosso cérebro), mas não é essa coisa (não é o próprio cérebro nem está em nenhuma de suas partes), por isso não é substância (não existe como coisa). A consciência é a manifestação da estrutura cerebral, por isso não está em parte alguma do cérebro. Fazendo uma analogia, a consciência é assim como o nosso conceito de “força”. Força é tudo que produz o movimento de um corpo, mas não podemos dizer que ela existe como coisa, não podemos separá-la de um fenômeno físico e dizer “aqui está a força”. A força é a manifestação da estrutura de um fenômeno. Da mesma forma, não podemos separar a consciência dos fenômenos cerebrais e dizer “aqui está a consciência humana”.
Para os existencialistas, a consciência é “nada” (não existe como coisa, como substância). O que a consciência faz é simplesmente perceber, e quando percebe-se a si mesma torna-se “consciência reflexiva” (o famoso cogito cartesiano). A reflexão da consciência sobre as coisas do mundo e sobre si mesma é completamente livre: ela cria os sentidos que bem entender para o mundo e para si mesma. A essência da consciência humana é ser livre. E desta inevitável liberdade da consciência em criar sentidos para tudo, os existencialistas postulam uma saída: a existência terá qualquer sentido que dermos para ela. Se a consciência é um dínamo criador de sentido (está condenada à liberdade de criar sentidos), então A EXISTÊNCIA TEM NECESSARIAMENTE DE TER UM SENTIDO (o sentido que dermos para ela).
Sem dúvida, a hipótese existencialista é mais agradável do que a niilista: estamos condenados à liberdade, à inevitável liberdade de dar sentido para a existência. E a palavra “condenado” tem de ser entendida em seu sentido literal: não há como evitar a liberdade, não há como não dar sentido à existência.

A HIPÓTESE MÍTICA-RELIGIOSA
A solução mítica ou religiosa para a existência não é tão absurda quanto alguns agnósticos crêem ser. A crença em um mundo supra-real resolve de uma tacada só muitas questões cabeludas sobre a existência: dá sentido à vida, à sociedade humana e aos códigos morais. Segundo Lévi-Strauss, o pensamento mítico-religioso não apresenta nenhuma oposição ao pensamento científico, nem vice-versa: os dois tipos de “entendimento do mundo” podem conviver juntos em perfeita harmonia. O confronto só acontece quando questões de poder estão em jogo: quando, por exemplo, uma instituição religiosa vê seu poder como instituição ameaçado por idéias científicas, ou vice-versa.
Outro tipo de confronto acontece quando tentamos racionalizar, ou interpretar, a crença mítica-religiosa com o intuito de adequá-la às nossas “atitudes mundanas”. Basta ler os Evangelhos com atenção para perceber que a concepção de Jesus da existência é “barra pesada”: “o servo é superior ao seu mestre”; “é mais fácil um camelo passar pelo vão de uma agulha do que um rico entrar no paraíso”; “se quiser me seguir, largue tudo e me siga”. Não é fácil adaptar estas máximas cristalinas (que não deixam lugar para interpretações) às nossas atitudes cotidianas. A neurose do cristão (as suas insolúveis contradições internas) está em tentar resolver racionalmente suas contradições. Tentar resolvê-las seria o mesmo que considerar Jesus um cínico. E Jesus pode ter sido tudo menos um cínico: preferiu morrer a ter que mudar uma vírgula daquilo que acreditava.
A infecunda e neurótica interpretação do pensamento “radical” de Jesus é o que causa as aberrações religiosas tão comuns hoje em dia. No entanto, a concepção religiosa em si nada tem de contraditório ou aberrante. Como dizia Lévis-Strauss, é simplesmente uma “outra forma de raciocínio” que tenta dar sentido a existência.

A HIPÓTESE CIENTÍFICA
A atitude científica é a de deixar o sentido da existência “em suspenso” por falta de dados. A hipótese científica não nos diz se há ou não um sentido para a existência. A ciência simplesmente atém-se ao estudo da estrutura da matéria (o universo como fenômeno) na esperança de um dia descobrir mais uma pequena peça do gigantesco quebra-cabeça cósmico.
É tolice das grandes achar que a ciência não se ocupa de questões existenciais ou ontológicas. Abra qualquer livro sério sobre cosmologia ou física de partículas, e você terá a impressão de que foi escrito por um filósofo escolástico. Existe na hipótese científica, assim como na hipótese mítica-religiosa, uma busca de unificação, uma procura por uma manifestação única do universo, uma lei básica que tudo governa. Para muitos cientistas sérios (e Einstein pode ser incluído neste grupo), o universo se manifesta como uma entidade una cujas leis ainda nos atordoam, mas que um dia poderão ser descobertas e apreciadas em sua totalidade: através do conhecimento físico do universo poderemos um dia finalmente olhar a “face de Deus”. Um Deus que talvez não seja nada do que hoje se imagine ser. Não é a toa que muitos destes cientistas se digam “espinosistas”. Espinosa talvez tenha sido o filósofo metafísico que mais sucesso teve em conciliar uma visão materialista da natureza com uma hipótese metafísica da existência divina. Espinosa constrói sua metafísica partindo de uma idéia bastante simples: se a principal característica de Deus é ser absoluto e infinito (note o uso da condição “se”), então TUDO DEVE SER DEUS. Se Deus fosse um ser supra-real (separado de sua própria criação), então haveria um “lugar” onde Deus não estaria, assim Deus não seria absoluto. A condição para que haja um Deus absoluto é a de que Ele SEJA tudo (note o uso da palavra “ser” ao invés de “estar”). Para Espinosa, Deus não pode ESTAR em tudo (como é o princípio normalmente professado por religiosos), mas deve necessariamente SER tudo.
A concepção espinosita da existência divina é muito simpática à concepção cientificista do universo: o conhecimento físico do universo pode nos revelar Deus, pois seria Ele que estaríamos “estudando”.

CONCLUSÃO INCONCLUDENTE
O que é então a existência? Uma absurdidade sem sentido e sem propósito? Uma absurdidade com qualquer sentido e propósito que desejarmos? Uma gigantesca insensatez sobre a qual construímos a frágil sensatez da sociedade humana? Uma incógnita em suspenso? Uma eterna busca de sentido? Um mistério divino? Um jogo de esconde-esconde entre Deus e a humanidade?
Mesmo que você não tenha como responder estas perguntas, certamente conduz sua vida apoiado em alguma hipótese. Mesmo o indivíduo mais autômato carrega dentro de si uma hipótese reconfortante ou um pavor indizível diante do absurdo ato de existir.

3 comentários:

Anônimo disse...

essa HIPÓTESE NIILISTA era exatamente oque eu pensava todo esse tempo

Carlos Eduardo disse...

"Tentar resolver certas contradições racionalmente" não cai muito bem.
Como resolver qualquer contradição relativa a atitudes de uma (ou diferentes pessoas) durante uma vida?
No caso de ser a pessoa, você pode dizer: eu mudei de opinião, ou fiz por isso, deixei de fazer por aquilo.
Ou podemos reduzir tudo em uma pessoa a práxis?

Unknown disse...

chega se num grau que essa duvidas se desonvem e td faz sentido quando vc chega ali td se desolve e n resta nada