A Verdade Sobre a Extinção do Homem de Neandertal
Da paleantropologia colhemos poucas certezas: o homo neanderthalensis (assim chamado a partir de fósseis encontrados numa gruta da região de Neanderthal na Alemanha) foi o parente mais próximo da espécie humana, nosso primo casca-grossa e lerdo, inexplicavelmente extinto cerca de 30.000 anos atrás.
Mas, a bem da verdade, o homem de Neandertal, mesmo vivendo na rusticidade do período paleolítico, era imensamente superior ao seu primo sapiens em perspicácia e sutileza de raciocínio – qualidades que o levaram a um amadurecimento evolutivo por demais prematuro para os padrões da época. Outra verdade é que o homem de Neandertal lentamente sucumbiu ao peso das adversidades, e sua sofisticada estrutura mental (ainda em estado experimental e preambular) apenas acelerou seu processo de extinção.
Sua caixa craniana (tão volumosa quanto a nossa, mas exageradamente longa e amolgada) terminava num amplo “coque” acima da nuca e numa “viseira” acima dos olhos. Essa excepcional configuração craniana, em forma de comadre emborcada (agravada por uma calvície precoce – outro aspecto inquestionável de sua inteligência!), obrigava-o a manter hábitos noturnos, pois seu cérebro literalmente fritaria se intentasse longas caminhadas sob o sol das planícies. De fato, os esqueletos dos neandertalenses atestam uma existência penosa e curta (poucos atingiam os 40 anos), apresentando traços de profundos traumatismos, principalmente na região do crânio que, por ironia da natureza, alojava seu órgão mais aprimorado e frágil.
Mesmo massudo e forte, não era dotado de grande estatura. Era pequeno, com antebraços e cochas extremamente curtos – características que lhe dificultavam longas jornadas à procura de alimento. Por isso, preferia o aconchego das grutas – ambiente propício para desenvolver suas habilidades intelectivas. Aliás, os sítios arqueológicos mostram que, em comparação com seus espandongados primos sapiens, o ambiente doméstico do neandertal era bastante simples e desprovido de badulaques – o que denota uma acuidade organizacional invulgar e um critério de praticidade doméstica não conhecido no paleolítico superior.
Vivendo numa época marcada por profundas flutuações climáticas e numa região esburacada por pequenos vulcões, os neandertalenses (embora não gostassem de fabricar utensílios de pedra) desenvolveram técnicas de controle ambiental que suscitavam perplexidade em seus primos sapiens.
Uma dessas técnicas consistia em extinguir pequenas crateras vulcânicas (que explodiam a todo momento, causando tumulto e poluição atmosférica) entupindo-as com grandes pedras de aproximadamente 217 quilos (unidade de peso utilizada pelos neandertalenses que hoje figura entre os principais enigmas da paleantropologia). Apesar de sua compleição robusta e abrutalhada, um neandertal sozinho não conseguia dar conta de tanto peso. Sendo assim, criaram um conceito que se tornou o grande paradigma do período paleolítico e que, desde então, tem sido imitado, aprimorado, estudado e popularizado por inúmeras gerações de sapiens: a sinergia de grupo.
Era assim: dois indivíduos se colocavam um diante do outro (a uma distância de pouco mais de um metro) e, apoiados pelas mãos, inclinavam o corpo para frente, prenunciando a forma piramidal que um dia seria popularizada pelos egípcios. Então, um grupo de neandertalenses erguia a pedra e a acomodava entre as amplas e acachapadas cabeças (posicionadas em forma de cunha) dessa dupla de carregadores. E assim, num esforço supremo e mostrando razoável domínio do conceito de equilíbrio, os dois caminhavam até as margens da cratera, colocavam-se um de cada lado e, com as mãos na cintura, permaneciam inclinados sobre o buraco, apoiados apenas na pedra entre suas cabeças. Depois, deixavam-na cair.
Os infortúnios dessa prática lhes permitiram aprimorar alguns procedimentos técnicos e rever alguns conceitos. Cinco mil anos após o primeiro incidente, os neandertalenses descobriram que a constante queda dos carregadores poderia ser evitada se dois outros indivíduos os abraçassem pelas costas e os puxassem no momento em que largassem a pedra. Após dois milênios de tentativas inúteis (pois os ajudantes iam inevitavelmente pro buraco com os carregadores), os neandertalenses decidiram transformar a técnica de extermínio de vulcões num ritual de sacrifício ao seu Deus – primeira expressão de sentimento religioso entre os hominídeos. Desgraçadamente, esses rituais terminaram por ceifar a vida de quase toda a população masculina.
Com a população masculina minguando, a extinção veio de forma implacável. No entanto, recentes descobertas arqueológicas nos revelam que (apesar da feiura atroz de suas mulheres) não eram raras as uniões carnais de fêmeas neandertalenses com machos sapiens. O que nos leva a crer que os genes do homem de Neandertal ainda fluem em nossas sapientes veias. De fato, há quem hoje sustente a tese de que podemos encontrar traços do psiquismo neandertal em alguns indivíduos de nossa espécie.
Estou convencido disso.