Esses Pernósticos Agnósticos
“If only God would give me some clear sign! Like making a large deposit in my name at a Swiss bank” (Woody Allen)
MAIS UM ISMO
O termo “agnosticismo” foi criado em 1869 pelo biólogo inglês Thomas Henry Huxley, mas o conceito mais marcante do pensamento agnóstico já podia ser encontrado nos escritos de David Hume e dos empiristas ingleses sob a forma de “suspensão do julgamento diante da falta de evidências”.
Como deve se esperar de um naturalista que faz incursões pela filosofia, Huxley tinha simpatia pela cautela científica do empirismo e, como um típico pensador inglês (que não gosta de atitudes extremas), negou-se a entrar na contenda entre teístas e materialistas de sua época. Tentando evitar a imposição restritiva desses rótulos acabou criando um rótulo para si mesmo: “most of my colleagues were ‘ists’ of one sort or another; and I, the man without a rag of a belief to cover himself with, could not fail to have some uneasy feelings. So I took thought, and invented what I conceived to be the appropriate title of ‘agnostic’. It came into my head as suggestively antithetic to the 'gnostic' of Church history, who professed to know so much about the very things of which I was ignorant”. Foi assim que Huxley entrou para a história como o sujeito que deu nome à atitude que alguns filósofos já haviam tomado diante das questões metafísicas.
OS QUE ERAM E NÃO SABIAM
Professando um agnosticismo ainda inominado, Hume, em seu “Dialogues concerning Natural Religion”, sustenta que não há prova da existência de Deus nem prova de sua inexistência. Sua posição como embezerrado empirista é bastante clara: “philosophy cannot go beyond experience; and any hypothesis, that pretends to discover the ultimate truth, ought at first to be rejected as presumptuous and chimerical”. Mesmo assim, Hume não queria que sua posição fosse confundida com ateísmo, e tentou explicar (numa desatada verborréia que lhe custou várias páginas) o que Carl Sagan resumiria em: “absence of evidence is not evidence of absence”.
Já o agnosticismo inominado de Kant tem um detalhe sutil: enquanto pensadores como Hume e Huxley professam a suspensão do julgamento diante da falta de evidências, Kant acredita que a própria procura de evidências não faz sentido. Para Kant, Deus (mesmo existindo) seria incognoscível, pois um ser por definição infinito, onipotente, onipresente e mesmo assim fora do tempo e do espaço (transcendente), está totalmente além da parca capacidade cognitiva humana (limitada à finitude do tempo e do espaço – segundo a epistemologia kantiana). Se Deus não existisse, seria um erro lógico crasso tentar provar a inexistência de algo cuja realidade é incognoscível. Assim, qualquer tentativa de provar a existência ou inexistência de Deus encerra um erro lógico para Kant.
ABUNDA A FÉ DEMAIS
“I have a great love and respect for religion, great love and respect for atheism. What I hate is agnosticism, people who do not choose”. Este comentário atribuído a Orson Welles retrata bem a antipatia de muitos pelos agnósticos. Mesmo sendo acusado de “ateísmo covarde” ou “pensamento vacilante” (como tão bem observou o Dr. Plausível – ver link acima), o agnóstico legítimo e documentado considera o teísmo e o ateísmo como posições (aparentemente antagônicas) de uma mesma profissão de fé (a fé numa hipótese). Por um lado, a hipótese teísta que não apresenta nenhuma evidência convincente de um mundo espiritual. Por outro lado, a hipótese ateísta que aposta na coerência do mundo físico mesmo com o esfacelamento da lógica e a dissolução da realidade a cada descoberta da física subatômica (o que nos faz lembrar cada vez mais do imaterialismo de Berkeley). Por um lado, o silêncio divino cada vez mais sólido. Por outro, a realidade última da matéria cada vez mais insólita. Sem dúvida, para um agnóstico, as duas posições exigem um bocado de fé.
PARA PENSAR ANTES DE DORMIR: NÃO QUEIRA SER MAIS ESPERTO QUE DEUS
O sábio Pascal às vezes tinha seus momentos de pascacice. Pois não é que num desses momentos ele inventou de acabar de vez com a discórdia entre teístas e ateus? Pensou em uma aposta para o além-túmulo. Temos dois apostadores: um ateu (que aposta na inexistência de Deus) e um crente (que aposta na existência de Deus). Se Deus não existir (como aposta o ateu), os dois permanecerão em pé de igualdade após a morte (pois cessarão de existir). Mas, se Deus existir (como aposta o crente), após a morte o crente receberá a salvação e o ateu o tormento eterno. Assim, Pascal conclui que é mais vantajoso apostar na existência de Deus. O argumento (vamos, venhamos e convenhamos, seu Pascal!!!) foi lamentável. Não é à toa que suscitou em Voltaire um comentário: “cet article paraît un peu indécent et puéril”.