Sonetinho Existencial

Quem acha que um dia
este mundo prospera
está louco ou porfia
no desvão da quimera.

Jumentais teorias
pululam nos coutos,
carcomem utopias:
sandeus estão soltos.

Insanos e indoutos
governam a guia
das leis e da arte.

O inferno é os outros,
tão bem já dizia
o estrábico Sartre.

O Mito que foi pelo Ralo

A idéia de que a água escoa pelo ralo em sentidos diferentes no hemisfério norte e no hemisfério sul talvez seja o mito mais conhecido e difundido em todo o mundo.
No meu curso colegial, meu professor de Física jurava de pé junto que isto realmente acontecia e que ele já o tinha testado na pia de sua casa. Já ouvi este mito ser citado em um episódio do Arquivo X (o que não me surpreendeu, pois não há nada mais anticientífico do que ficção científica), também em um episódio dos Simpsons (e eu ainda não sei se foi uma piada muito sutil ou não), também em um papel para forrar bandejas do McDonald’s (nada fora dos cânones da companhia), e (pasmem!!!) até em uma apostila de cursinho pré-vestibular. E ouvi dizer que alguns guias turísticos levam apalermados bocós (vindos do outro hemisfério) para um “turismo científico” (talvez por escassez de atrativos na cidade) e demonstram em uma pia o curioso fenômeno.
Afinal de contas, este fenômeno do ralo acontece ou não? – A resposta é: em teoria sim, na prática não!!!
Este fenômeno é chamado de “Efeito de Coriolis” (ou “Força de Coriolis”, ou “Aceleração de Coriolis”) e realmente afeta o movimento de rotação dos ventos em volta dos centros de baixa pressão e a rotação do plano de oscilação de um pêndulo. Mas, a Força de Coriolis é pequena demais para determinar a rotação da água que escoa pelo ralo.

VISUALIZANDO O INVISUALIZÁVEL
Uma maneira de visualizar o Efeito de Coriolis é começar pelo movimento de rotação de um carrossel. Em um carrossel, sentimos uma força que nos impele para fora. Esta força é chamada de “centrífuga”. Já em uma esfera (que é o caso da Terra) existem duas forças em jogo: a centrífuga e a de Coriolis.
A centrífuga nos impele para fora da Terra e tem sentido oposto à força gravitacional (que nos puxa para o centro da Terra). Esta força centrífuga tem seu valor máximo no equador e vai diminuindo até ser nula nos pólos. Mesmo no equador (onde seu valor é máximo) sua aceleração é apenas 0,3% da aceleração gravitacional, o que resulta em uma diferença muito pequena de nosso peso no equador e de nosso peso nos pólos (imperceptível para os nossos sentidos).
Por outro lado, a Força de Coriolis varia de posição conforme nossa posição no globo terrestre. Ela coincide em sentido com a força centrífuga quando estamos no equador, e é quase perpendicular à força centrífuga quando estamos nos pólos. Se estamos no equador e começamos a ir em direção ao pólo norte, a Força de Coriolis começa a nos empurrar cada vez mais para o equador e para o leste, pois ela está sempre perpendicular ao eixo de rotação da Terra e, ao mesmo tempo, perpendicular ao nosso vetor de velocidade.
Difícil de visualizar???? Bom, acontece que (quanto mais nos aproximamos do norte) a força de Coriolis começa a se inclinar cada vez mais para o leste, seguindo o vetor resultante de nossa velocidade em direção ao norte e em direção ao leste (que é o movimento de rotação da Terra), e mais para o equador (mantendo-se perpendicular ao eixo de rotação da Terra), e assim se afastando da direção da força centrífuga (que não se mantém perpendicular ao eixo de rotação da Terra quando se afasta do equador, mas mantém-se contrária à direção da força gravitacional).
Não importa para que lado está direcionada a nossa velocidade, a Força de Coriolis estará sempre em um plano perpendicular a ela e, ao mesmo tempo, em um plano perpendicular à rotação da Terra. O que resulta em uma força que nos impulsiona a mover em círculos no sentido horário no hemisfério norte. Se nos movemos do norte para o equador, a Força de Coriolis nos puxa para o oeste e para o equador (mantendo-se perpendicular ao vetor de velocidade e ao eixo de rotação da Terra), o que também resultará em um movimento no sentido horário.
Assim, a Força de Coriolis não produz nenhum efeito no equador (pois está na mesma direção da força centrífuga, onde a força centrífuga tem valor máximo) e produz máximo efeito nos pólos (pois está praticamente perpendicular à força centrífuga, onde a força centrífuga é quase zero).
Esta “tendência para o movimento em círculos” que acontece no hemisfério norte se repete no hemisfério sul só que em sentido contrário (pois o hemisfério sul seria análogo ao hemisfério norte em rotação contrária).
Este Efeito de Coriolis é um fascinante “quebra-cabeça geométrico”. Se você tiver tempo para pensar nele, faça-o.

UM IMPURRÃOZIM DI NADA
Outra coisa interessante sobre o Efeito de Coriolis é que ele depende somente da velocidade angular do globo terrestre e da velocidade do objeto em movimento sobre o globo.
A fórmula da Aceleração de Coriolis é: 2w.V’
w = sendo a velocidade angular do globo terrestre
V’ = sendo a velocidade do objeto sobre o globo
Como a velocidade angular do globo terrestre (w) é extremamente pequena (o,oooo7 rad/s), a verdadeira “força” do Efeito de Coriolis está na velocidade do objeto (V’) e na sua posição no globo terrestre. Isto quer dizer que... para grandes quantidades de moléculas de ar que estão em grande velocidade (como os ventos em torno de centros de baixa pressão e furacões) o Efeito de Coriolis é considerável perto dos pólos. Realmente as rotações destes fenômenos são contrários no hemisfério norte e no sul. Também é considerável para pêndulos de grandes dimensões, como foi demonstrado por Jean Léon Foucault (que pendurou um pêndulo de 67 metros de comprimento na cúpula de uma igreja e observou a rotação de seu plano de oscilação). Esta experiência de Foucault é uma prova efetiva da rotação da Terra. Mesmo que a Terra estivesse sempre coberta de nuvens, a experiência mostraria aos físicos que a Terra gira e que é possível calcular seu período de rotação através das oscilações de um pêndulo.
No caso da água descendo pelo ralo, o Efeito de Coriolis existe, mas é muito pequeno, já que a massa de água em questão e a sua velocidade de escoamento são muito pequenas. O Efeito de Coriolis é praticamente desprezível frente às outras forças que atuam numa pia ou num tanque, como o atrito e os efeitos causados pela forma e textura das paredes do tanque, bem como o movimento residual da água e a força gravitacional que empurra a água para dentro do ralo.

PARA OS CURIOSOS DE DOMINGO
Mesmo tendo dito tudo isso, NÃO É COMPLETAMENTE IMPOSSÍVEL ver o Efeito de Coriolis em uma pia. Só que o negócio é muito difícil: coisa para laboratórios especializados.
A água deve repousar por uma semana ou mais (para eliminar ao máximo o movimento residual da água) em uma cuba especialmente desenhada (para eliminar ao máximo interferências geométricas), e o furo pelo qual a água escoa deve ser extremamente pequeno para que a vazão seja a mais lenta possível (diminuindo ao máximo perturbações no movimento da água). Mesmo com todos estes cuidados e uma boa dose de sorte, demora horas (senão dias) para que o Efeito de Coriolis comece a provocar algum desvio sensível e sutil. E mesmo assim, você terá que repetir o experimento várias vezes para ter certeza de que o movimento rotatório observado não foi provocado por outro fator.
Nem tente!!!

PARA ANARQUIZAR DE VEZ COM A CIÊNCIA
Mas, se o que você quer mesmo é azucrinar os céticos, então quando for a uma dessas cidades onde exista a famosa placa “A LINHA DO EQUADOR PASSA POR AQUI”, pegue um pequeno tanque de água, faça um furo no fundo e ponha uma rolha. Reuna o pessoal da excursão para o “turismo científico”. Passe para o lado do hemisfério norte e puxe a rolha do tanque (com a mão por dentro!), e ao retirar a rolha imprima uma rotação a este movimento. O giro de sua mão será suficiente para fazer a água escoar pelo furo no sentido deste giro. Passe para o outro hemisfério e faça a mesma coisa, só que agora gire a rolha no sentido contrário. Não é aconselhável tentar fazer o truque na linha do equador, pois qualquer movimento de sua mão pode imprimir movimento à água.
E se você quiser esbodegar de vez com a coisa, então peça ao pessoal da excursão que comece a notar como o pessoal que vive no hemisfério norte costuma ter uma “estranha” tendência (mas que agora é perfeitamente compreensível) de repartir o cabelo no sentido contrário ao pessoal do hemisfério sul, e como o pessoal que vive perto da linha do equador costuma repartir o cabelo no meio. E para colocar aquela cerejinha que falta em todo bolo de merda, diga também que aqueles redemoinhos que nascem nos nossos cocurutos nascem em sentido contrário nos dois hemisférios, e que os “equatoriais” não os têm.