O Eterno Retorno a Nietzsche

NA BOCA DO POVO
Sem medo de errar, podemos dizer que Nietzsche é o filósofo mais popular entre aqueles que têm pouca familiaridade com filosofia. A explicação para esse fenômeno é simples. Nietzsche foi o único filosofo que explicitamente ofereceu um remédio para a crise espiritual que aflige o homem moderno: o niilismo.
Todo aquele que se aproxima da filosofia procurando uma resposta explícita para suas indagações existenciais, ou um sentido claro para a vida, ou uma receita para uma vida feliz, se decepciona diante do emaranhado mundo das idéias, dos diferentes modelos de pensamento, dos intricados conceitos, das limitações da lógica, dos infindáveis debates, das esmiuçadas críticas e dos jargões nada amigáveis.
Por outro lado, Nietzsche se apresenta como “profeta da cura”, escreve em estilo aforístico, dramático, panorâmico, profético, incisivo e ao mesmo tempo poético e tropológico. Não é à toa que sua filosofia tenha se propagado para além do âmbito acadêmico e passado ao ideário popular. E a filosofia de Nietzsche tem significado coisas diferentes para diferentes pessoas. Muitos vêem em Nietzsche o surgimento do pensamento nazista, enquanto outros o consideram um libertário, um cosmopolita. Para outros, Nietzsche foi o filósofo que diagnosticou a decadência e o colapso da civilização ocidental, que pressagiou as duas grandes guerras mundiais. Para outros, um ateu radical, um niilista que professava a cura para seu próprio niilismo. Um precursor da psicologia moderna. Um filósofo preocupado com a criação e transformação de valores. Um crítico severo da moral cristã. Um teísta às avessas. Um brilhante escritor que desenvolveu as potencialidades da língua alemã.
Obviamente, seu estilo nada convencional de escrever filosofia é o principal responsável por estas diversas interpretações. Mas justiça seja feita. Embora as vezes seja irritante ler Nietzsche (seu método peca por não ter a exposição sistemática encontrada em filósofos como Kant, Espinosa e Hegel – uma característica que Nietzsche fazia questão de não possuir, pois acreditava-se um reformador de valores e, consequentemente, um reformador de estilos), esse alemãozinho bigodudo teve idéias brilhantes e surpreendentes. E uma delas é a teoria do eterno retorno.

O ETERNO DÉJÀ VU
A teoria do eterno retorno, conhecida desde da antigüidade grega, é usada por Nietzsche como o derradeiro desafio para o homem moderno. Um homem que se encontra na encruzilhada entre dois tipos de niilismo. O niilismo passivo, uma constatação pessimista, uma atitude apática diante da ausência de valores e do absurdo da existência. E o niilismo ativo que procura destruir tudo e imprimir valor a nada. O niilismo que é a decorrência inevitável da “morte de Deus”, da orfandade de valores, da esperança traída. O niilismo que na época de Nietzsche começava a se mostrar nas artes, na literatura, na filosofia e na ciência. A descrença nos valores cristãos, a constatação da inexistência de Deus e, por conseqüência, da perda de todo parâmetro moral e espiritual, levava o homem a perder a crença em qualquer valor, a entrar em decadência e aniquilamento.
Foi neste contexto que Nietzsche se arrogou o papel de reformador e “profeta da transvalorização de valores”, na esperança de salvar a sociedade ocidental da decadência niilista que começava a ganhar corpo.
O conceito básico da teoria do eterno retorno é bastante simples. Se supormos que o universo é um corpo finito (possui um número gigantesco mas finito de elementos básicos) e se dado um tempo infinito, então todas as combinações possíveis deste número finito de elementos se repetiriam infinitamente. Se considerarmos o universo como um gigantesco baralho cósmico (com um número gigantesco de cartas, mas um número finito), então o número de combinações destas cartas seria finita e se repetiria infinitamente através da eternidade.
Esta hipótese (que na época de Nietzsche era escabrosa) é hoje em dia uma hipótese muito discutida na teoria do Big-Crunch. É a única hipótese que respeita a conservação de energia do universo. Um universo finito (com um número finito de elementos) poderia se expandir (através de um Big-Bang) e se contrair (através de um Big-Crunch) infinitamente, conservando sua energia. O número de combinações deste universo seria algo inimaginável, mas seria finito, e certamente teria de ser repetido infinitamente. Assim, todas as mais insignificantes variantes possíveis na vida de qualquer pessoa, na vida de qualquer animal, de qualquer planta, de qualquer átomo, de qualquer elétron, seriam vividas da mesmíssima forma eternamente.
Nietzsche descreve seu estado de estupefação e horror diante desta aterradora hipótese. Nada caminha em linha reta. Nada tem um começo ou um fim. Nada tem um princípio ou um objetivo. Tudo é um infinito e gigantesco ciclo de repetições, de combinações finitas. Sempre estamos em um ponto intermediário deste ciclo. Nunca chegaremos a um fim. Nunca houve um começo. Estamos eternamente condenados a repetir exatamente o que eternamente estamos a repetir.
Não é à toa que a filosofia de Nietzsche toma proporções oceânicas depois da teoria do eterno retorno. Como podemos não cair no desespero niilista depois desta abismal constatação? Talvez seja isto que levou Heidegger a afirmar que Nietzsche foi o niilista mais contundente dentre todos os niilistas: na esperança de “curar a civilização de um niilismo decadente” cria uma hipótese niilista ainda mais aterradora e inescapável.

PARA PENSAR ANTES DE DORMIR
Uma interessante frase de Schopenhauer: quanto mais a ciência avança e descobre os mistérios do universo, mais será sentida a necessidade de uma metafísica.